Uma Kombi carregada de histórias, cores e esperança vai cruzar as estradas do Espírito Santo rumo a um dos maiores palcos da criatividade do continente: a maior feira de artesanato da América Latina, em São Paulo.
Mas ela não é uma Kombi qualquer. Batizada de Laurinha, ela foi transformada em obra de arte sobre rodas e está está sendo totalmente revestida com peças delicadas de crochê — feitas à mão por internas do Centro Prisional Feminino de Cariacica (CPFC), que dão novos pontos à própria história por meio do Ateliê Mãos Livres.




A Kombi foi ornamentada com quadrados de crochê de 10×10 centímetros, totalizando 500 squares. Bonecos, naninhas e demais artigos confeccionados nas duas unidades prisionais também serão levados para exposição na feira. Cada linha, cada trama, carrega um pouco da liberdade que floresce mesmo entre grades. E, no próximo mês, essa Kombi cheia de significado promete ser uma das grandes atrações da feira Mega Artesanal, que acontece de 05 a 09 de julho, em Água Funda, São Paulo.
Da dor, nasceu um propósito
Por trás dessa Kombi transformada em arte está Rogéria de Aguiar Alvim, uma professora e voluntária movida, há muitos anos, por amor e propósito. É ela quem compartilha, ponto a ponto, a delicada técnica do crochê e a mágica dos amigurumis com mulheres e homens privados de liberdade.
Seu trabalho vai muito além da costura: é um fio de esperança que se estende por duas unidades prisionais do Espírito Santo — o Centro Prisional Feminino de Cariacica (CPFC) e a Penitenciária de Segurança Média 1 (PSME1).
As peças que nascem dentro dos presídios do Espírito Santo carregam muito mais que talento — elas transbordam solidariedade e afeto. Cada item, feito à mão por pessoas privadas de liberdade, encontra um novo destino ao ser doado a hospitais e instituições sociais, levando cor, alegria e esperança a pacientes em tratamento contra o câncer.
Rogéria sempre foi uma voluntária incansável. Ela transformou a dor de enfrentar dois tipos de câncer — de mama e de tireoide — em uma causa que inspira e acolhe. Foi nesse processo de reconstrução que ela encontrou no crochê não apenas uma terapia, mas um propósito: levar esperança a quem mais precisa. Assim nasceu a Boneca Vida, um símbolo de carinho e força que hoje chega às mãos de crianças em tratamento contra o câncer, espalhando afeto em forma de artesanato.
O sonho de levar essas bonecas a hospitais por todo o Espírito Santo parecia distante — até que a vida, mais uma vez, sorriu. Uma Kombi foi doada a Rogéria por um projeto de missão em Petrolina, marcando o início de uma nova etapa. Estofados, linhas e a solidariedade de amigas e parceiras de caminhada também chegaram como presentes, costurando uma rede de apoio que impulsiona esse projeto emocionante.
Agora, além das bonecas, Rogéria se dedica a um novo capítulo dessa história: transformar a Kombi em um símbolo itinerante de arte, superação e solidariedade — uma verdadeira obra sobre rodas que carrega muito mais do que crochê. Carrega sonhos, histórias e vidas em reconstrução.
“O veículo recebeu o nome de Laurinha em homenagem à filha de uma amiga que morreu ainda criança, durante o tratamento de um câncer. Como doamos as peças, principalmente para pacientes oncológicos, o nome da Kombi representa toda a história de quem enfrenta o mesmo problema”, contou Rogéria, emocionada.
Solidariedade em cada ponto
E o que começou como superação pessoal virou um movimento de cura coletiva — que costura, com cada ponto, laços entre quem cria, quem ensina e quem recebe. Uma corrente de cuidado que rompe muros, toca corações e reacende a esperança.
“A Kombi é um meio que facilita o transporte das doações e vai mostrar todo o talento das internas que participam das entregas de solidariedade. Nossa presença na Mega Artesanal será uma forma de representar a arte e o espírito solidário de todos os envolvidos nesse projeto inspirador”, disse Rogéria Alvim.
A diretora do Centro Prisional Feminino de Cariacica, Patricia Castro, destaca que o projeto promove a ressocialização. “Os artesanatos confeccionados no Ateliê Mãos Livres representam a criatividade e o talento que as internas desenvolvem mesmo em um ambiente difícil. O projeto proporciona um espaço de aprendizado que contribui para a ressocialização dessas mulheres e mostra que é possível transformar vidas por meio do trabalho e da arte. Além disso, as doações realizadas para hospitais e entidades sociais refletem o espírito solidário, o que dá ainda mais valor a iniciativa”, disse.
Ali, entre linhas, tecidos e histórias interrompidas, nasce um novo caminho. Um caminho que agora ganha as estradas, levando arte, dignidade e transformação para além dos muros.