Vivemos em uma era em que tudo pode e, aparentemente, deve ser monetizado. Se você desenha bem, pode vender ilustrações. Se faz pão aos fins de semana, transforme isso em uma marca. Se gosta de falar sobre livros, crie um canal, busque parcerias, pense em monetização. O mercado criou um mito perigoso: se você faz algo com amor, transforme isso em renda. Caso contrário, está desperdiçando talento.
Mas e se a gente quiser só fazer porque gosta? E se a atividade que nos dá prazer não precisar dar lucro? E se o hobby continuar sendo hobby? Parece simples, mas, hoje, é quase subversivo.
A lógica da produtividade invadiu até o lazer. O tempo livre virou “tempo de oportunidade”. A criatividade, antes um espaço de experimentação, agora precisa de audiência, algoritmo e estratégia. A pergunta que não cala é: onde fica o prazer desinteressado? A alegria de fazer algo que não serve para nada, a não ser nutrir a alma?
Transformar uma paixão em negócio pode ser maravilhoso desde que essa seja uma escolha, não uma obrigação imposta por uma cultura que só valoriza o que pode ser escalado. Porque nem todo prazer precisa virar projeto e olha que tenho vários miniprojetos em andamento. Nem toda habilidade precisa ser explorada comercialmente. Algumas coisas só fazem sentido quando estão livres da lógica da entrega.
Quando tudo vira produto, o risco é perder o encanto. A escrita despretensiosa vira conteúdo sob pressão. O bordado que aliviava o estresse vira demanda de encomendas. A fotografia que era fuga vira job. E, sem perceber, o que era leve vira peso. O que era espontâneo vira performance. O que era prazer vira métrica.
Também há o cansaço emocional. Empreender algo que se ama é bonito, mas também exaustivo. É colocar o que é íntimo à prova do mercado. É misturar identidade com resultado. E nem sempre estamos prontos ou dispostos a esse tipo de exposição e cobrança. Às vezes, manter algo só para si é uma forma de preservação emocional e está tudo bem!
É preciso resgatar o direito de criar sem finalidade. Cozinhar sem abrir perfil no Instagram. Pintar sem fazer loja online. Escrever sem se preocupar com SEO. Fazer por fazer, fazer por querer fazer. Não como fuga da realidade, mas como parte legítima da vida.
Nem tudo precisa virar negócio e isso não é fracasso. É autonomia. É a liberdade de não transformar cada momento em performance produtiva. É resistir, em silêncio, à ideia de que valor e dinheiro são sempre a mesma coisa.
Num mundo que exige tanto de nós, manter um espaço de prazer gratuito pode ser o gesto mais estratégico de todos. Porque é ali, justamente onde não há cobrança, que a criatividade respira. E a alma, enfim, descansa.


