ser interessante virou ativo e o tedio virou inimigo

Ser interessante virou ativo, e o tédio virou inimigo

Vivemos em um tempo em que ser interessante não é apenas desejável, é necessário. Em que o “o que você faz” já não é suficiente se não vier acompanhado de um “como você se posiciona”. A vida, a carreira, os projetos, até as pausas, precisam render algo, visibilidade, valor simbólico, engajamento. Na era da hiperexposição, a identidade não é só construída, é continuamente performada.

A rotina se transformou em vitrine. Almoços, cafés, agendas, livros de cabeceira, hábitos de autocuidado, reuniões de trabalho, pequenos sucessos do dia, tudo precisa ser mostrado, rotulado, publicado. A narrativa da vida profissional se tornou inseparável da imagem pública. O simples “fazer” já não é suficiente. É preciso mostrar que está fazendo, e fazer parecer relevante. O interessante se tornou um ativo, e o tédio, um sinal de fracasso.

Não saber o que dizer, o que mostrar, o que criar, virou fonte de angústia. O silêncio parece improdutivo. O anonimato, um castigo. Profissionais se veem pressionados a manter uma narrativa coerente, ativa, esteticamente agradável e intelectualmente estimulante sobre si mesmos, todos os dias. É a era das microidentidades profissionais, a especialista em algo, a mulher que venceu algo, o executivo que inspira, o criador de impacto. Rótulos líquidos, imagens altamente curadas, histórias enxutas e estratégicas.

Mas o que esse excesso de presença exige emocionalmente?

Comparar virou hábito. Sem perceber, estamos nos medindo o tempo todo com a vida dos outros, mas não com a vida real, e sim com a curadoria do outro. Um dia vemos alguém lançando um produto, no outro um livro, no seguinte um curso, uma palestra, uma viagem, uma rotina de autocuidado. E mesmo quando sabemos que aquilo é só um recorte, ainda assim nos sentimos menos. Menos produtivos, menos criativos, menos interessantes.

A consequência é uma crise silenciosa de profundidade. Estamos em muitos lugares, mas pouco tempo em cada um. Sabemos de tudo, mas quase nada com profundidade. Fazemos muito, mas com pressa. Criamos com fome de aceitação e, muitas vezes, sem espaço para reflexão real. A ansiedade por relevância atropela a maturação das ideias. O pensamento virou conteúdo. A vivência virou discurso. A existência virou estratégia.

E o tédio, que sempre foi espaço fértil para a elaboração criativa, virou sintoma a ser eliminado. Não estar produzindo nada virou sinal de que algo está errado. Mas talvez o que esteja errado seja justamente essa exigência de presença permanente, de estímulo constante, de performance contínua da nossa própria vida.

Em tempos de excesso, resistir pode significar menos presença pública e mais presença interna. Pode significar não ter o que mostrar todos os dias. Pode significar não ser interessante o tempo todo. Porque só quem desacelera da exposição consegue sustentar algo além da estética da profundidade.

É preciso coragem para não se apresentar. Para não ter o que dizer. Para deixar a ideia amadurecer em silêncio. Para existir com densidade, não apenas com presença. Porque entre ser interessante e ser inteiro, nem sempre os dois cabem no mesmo feed.

Leia Também:

PUBLICIDADE